PONTO DE VISTA
Há pessoas que enxergam a vida de um jeito muito parecido ao daquelas tias velhas e ranhetas do interior, de antigamente, que passavam o dia encarapitadas na janela, falando mal da gente. Lá fora, na avenida, fervilhava em burburinho, a alegria. Passeavam moças casadoiras com um olhar comprido no enfatiotado jovem de suas fantasias. Rapazotes garbosos, bigodinhos em flor, experimentavam os primeiros sacolejos da paixão.Da língua venenosa das titias, como de um saco de Papai Noel, saía um pacotinho de pó-de-mico-com-pimenta personalizado para cada rodopiante do "footing": veja como a Terezinha engordou melhor mandar dona Cotinha soltar a costura da saia puxa a Rita já namorou a cidade inteira hein o pretendente Pedrito vive rondando a casa do Dr. Genésio tadinha da Margarete é bem feiosinha ali tem golpe do baú à vista o Chico não paga ninguém mas não sai do bar e mais tarde vai direto para as raparigas a prima Finoca que não fique de olho aberto com o Epaminondas ah se ele fosse meu marido... Ali, entre o abre e fecha das janelas envidraçadas do sobrado, reputações eram guilhotinadas num fechar e abrir de olhos. As amargas titias de insaudosa memória, incansáveis na azáfama de trucidar o próximo no maledicente murmurejo, souberam, como ninguém, salvaguardar-se da emoção, da piedade, da alegria. Mentes estéreis. Inférteis como sua existência inútil, incapazes de evoluir para o terreno das ideias; incapazes de uma palavra amiga que não soasse interesseira; despreparadas para a emoção, desqualificadas para a afeição; ineptas para a felicidade. Há pessoas que enxergam a vida de forma muito parecida.